Ao contrário do que certa comunicação social – receosa de, tomando uma posição clara, perder vendas, notícias ou simplesmente a sua tranquilidade - insiste em afirmar, não se tratou de uma luta entre claques, mas sim de actos premeditados e organizados de emboscada, intimidação, violência e terrorismo, perpetrados por adeptos do FC Porto, e patrocinados, pelo menos com silêncio cúmplice, pelos principais dirigentes do clube, à cabeça dos quais, naturalmente, o seu presidente. São estes os responsáveis por aquilo a que o país assistiu incrédulo, e que agora se pretende desculpabilizar num inenarrável comunicado (estilo “labaredas” ou "Pato") que utiliza acontecimentos de há quinze anos para justificar a violência das vésperas, falando descaradamente de dimensão moral, o que num clube cujo presidente recebe árbitros em casa antes dos jogos, os presenteia com fruta e chocolate, lhes paga viagens ao Brasil, e foi condenado por corrupção desportiva, só pode ser para rir.
Se na final do Algarve a diferença de comportamentos entre os adeptos dos dois clubes apenas deixara dúvidas a quem lá não estivera, agora, perante imagens televisivas inequívocas, só por má fé se pode falar de “claques" ou de “adeptos” no plural. O que esteve em causa foi uma mobilização quase para-militar de toda a estrutura portista (começando, desde logo, nos seus dirigentes) para receber o Benfica da forma mais hostil possível, procurando com isso - e, infelizmente para o desporto, conseguindo-o – condicionar a equipa da Luz, impedindo-a por todos os meios possíveis de disputar o jogo com normalidade.
Pretendiam vingança, diz-se. Mas vingança de quê? Do Benfica ter uma equipa extraordinária? De perderem o campeonato ao fim de quatro anos? De quê afinal?
Dizem-se revoltados. Mas revoltados com quem? Com a Comissão Disciplinar da Liga, provavelmente. Mas independentemente de terem ou não motivos para isso (e a meu ver não têm), e da instância superior até lhes ter dado razão, não era o Dr.Ricardo Costa que seguia no autocarro, nem estava nas bancadas, nem na sala de imprensa, nem nos camarotes, nem no relvado, nem nas Casas do Benfica cobardemente vandalizadas.
É o poder centralista de Lisboa, dizem outros. Mas o que tem o Benfica a ver com ele, quando há dois grandes clubes na capital, e quando existem adeptos e sócios benfiquistas espalhados por todos os cantos do mundo.

“Guerra é Guerra” disse um dia Pinto da Costa a Eriksson, quando, em 1991, se passou algo semelhante. Com uma diferença notável: nesse longínquo dia (e já então o presidente portista sabia muito bem como organizar estas operações) o FC Porto disputava o campeonato directamente com o Benfica, e como naquela casa sempre valeu tudo para vencer, até se percebia a estratégia. Desta vez tratou-se apenas de ódio, puro e duro, e as suas manifestações foram muito para lá do balneário, do túnel ou mesmo do estádio. Começaram nas emboscadas em prédios e viadutos na A1 e na linha de comboio, passaram pela bárbara agressão a duas mulheres sozinhas que seguiam no seu carro com adereços do Benfica, e ninguém sabe como poderiam ter terminado caso o resultado do jogo tivesse sido outro, e os benfiquistas pretendessem naturalmente comemorar ali o título, como era seu direito.
Há um aspecto que importa discutir, até mesmo no interior do clube da Luz, e que se prende com o facto - a meu ver incompreensível - do Benfica ser objecto de tanta hostilidade, não só no Porto, mas também, por vezes, em Braga, em Guimarães e em muitos outros locais, sobretudo do norte do país, ódio esse que só encontra paralelo na forma incondicional como tantos milhões de pessoas o amam calorosamente. Se quando está a ganhar até podemos imputar as causas à inveja ou ao ciúme, enquanto esteve a perder (e ainda foram alguns anos) não era fácil encontrar razões lógicas para tal atitude. Mas esse tema (interessantíssimo no plano sociológico e da psicologia de massas) fica para outra altura, pois se ninguém é obrigado a gostar do Benfica, todos estão obrigados a comportar-se dentro dos limites da lei, e isso, manifestamente, não aconteceu.
Recuso-me a aceitar que a cidade do Porto, a cidade de Siza Vieira, de Manoel de Oliveira, das Francesinhas, da Ribeira, da Rua de Santa Catarina, do Douro, e de alguns amigos que por lá tenho, se tenha tornado numa espécie de Palermo, onde as forças de segurança, as autoridades judiciais e todas as estruturas de poder político estejam tomadas pela influência de um padrinho mafioso e criminoso. Mas as evidências remetem-me cada vez mais para essa infeliz conclusão. E nem é preciso falar do Benfica para se chegar lá – fale-se de Co Adriaanse, de Paulo Assunção, de Costinha, de Ricardo Bexiga, de algumas decisões de tribunais portuenses, do comportamento de alguns agentes da PSP, de cães envenenados, ou das noites brancas (não as de Dostoievski, mas as de Bruno Pidá), e percebe-se, há demasiado tempo, que algo de muito grave se passa.
Há de facto no Porto um perigoso fenómeno de manipulação de massas (adeptos imbecis, iletrados e carneirizados ao serviço da ideologia que Pinto da Costa trouxe para o desporto) e de crime organizado (não tenhamos medo das palavras), que urge combater e desmantelar, antes que seja tarde demais. E o primeiro passo para isso não poderá ser confundir tudo, misturando lutas entre claques, ou comportamento desordeiro de alguns adeptos (coisa que de facto acontece em todo o lado), com estes episódios a que agora assistimos, e que remetem para um âmbito muito mais vasto, a tocar nas fronteiras do terrorismo.
Quando vejo a atitude complacente da maior parte da comunicação social (salvo honrosas excepções) para com os verdadeiros responsáveis pelo que se passou, quando vejo altos responsáveis políticos (temerosos, bajuladores, reverentes) sentados ao lado de Pinto da Costa, temo que tenhamos de esperar pelo desaparecimento físico do presidente do FC Porto (autor, pelo menos moral, de tudo o que se passou) para toda esta estúpida gente perceber enfim aquilo que andou a fazer, uns por actos, outros por omissões. Se o futebol e o desporto em Portugal resistem até lá? Essa é a minha maior dúvida.
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