
Embora tratando-se de um homem honesto e bem intencionado, creio que o Sporting não perde muito com a sua saída. Em ano e meio demonstrou uma total inaptidão para o cargo, somando erros atrás de erros, equívocos atrás de equívocos, e precipitações atrás de precipitações.
Podia aqui lembrar alguns casos, como as escolhas de Sá Pinto (e depois de Costinha, intermediada pelo grotesco Salema Garção) para um cargo tão importante como o de director-desportivo; também (embora em menor grau) as de Carlos Carvalhal e Paulo Sérgio, dois treinadores medianos; a venda de João Moutinho a um rival directo e todas as declarações e contradições que a envolveram (de maçã podre a profissional exemplar justamente na véspera do Sporting-FC Porto); a célebre declaração “Paulo Bento forever” rapidamente desmentida; a gestão de dossiers como Izmailov ou Caneira; as declarações contraditórias sobre o fundo de jogadores criado pelo Benfica (primeiro uma vergonha, pouco depois um exemplo); a contratação milionária de Sinama-Pongolle; a manutenção de uma relação cordial com Pinto da Costa mesmo após os insultos revelados nas escutas publicadas no You Tube (perante as quais o Sporting assobiou para o lado), entre muitas outras peripécias – perdoem-me se estou a esquecer alguma importante –, que para além do mais tiveram como pano de fundo resultados desportivos ao nível do pior que a história centenária do clube ofereceu, uma baixa dramática do número de espectadores no estádio (certamente também de associados), perda de patrocínios e todo um clima de degradação competitiva e institucional que não vai deixar saudades aos sportinguistas.
Como aspectos positivos da sua gestão, além das questões ocultas de que os seus pares agora falam, ressalvaria apenas um maior apoio às modalidades, o que valeu ao clube um título nacional de Futsal e um troféu internacional de Andebol.
Bettencourt entrou no Sporting pela porta grande, com mais de 90% dos votos, e muita esperança às suas costas. Começou a desiludir logo de imediato, tentando mostrar-se como aquilo que não era: um dirigente popular. Ainda por estes dias pudemos rever imagens televisivas mostrando-o aos saltos e aos gritos num qualquer núcleo sportinguista, imagens essas que eu classificaria de penosas. Quem confunde popularidade com parolice está a chamar parolo ao povo, e creio que foi isso que Bettencourt fez, perdendo toda a autenticidade que deve nortear a vida dos homens, e sobretudo dos homens-públicos. O facto de ser o primeiro presidente remunerado da história do Sporting (e, ao que parece, bem remunerado) também não o ajudou a unir o clube em seu redor, deixando no ar uma imagem de oportunismo, que creio não ser justa, mas que prevaleceu junto de alguns quadrantes.
Bettencourt deixa o Sporting numa situação bastante mais difícil do que aquela que encontrou, e agora contam-se espingardas para o combate eleitoral que certamente se avizinha – isto partindo do princípio que não irão cometer a loucura de designar um presidente sem o aval dos sócios.
Não me peçam para ser eu a escolher, mas fazendo o difícil exercício mental de me imaginar sportinguista, julgo que esta seria a altura de mudar de rumo, e varrer com o que resta de um projecto que manifestamente falhou (o projecto-Roquette). O mundo do futebol tem particularidades muito próprias, e não pode ser gerido como uma qualquer empresa de um ramo comum. O clube necessita que surja um sportinguista credível, com capacidade de se movimentar junto dos financiadores, mas que entenda minimamente o fenómeno futebolístico, e saiba rodear-se de pessoas competentes e experientes. Necessita de algum arrojo para construir uma equipa competitiva, e com ela inverter o ciclo de perda de adeptos e de receitas. Necessita de investir na contratação de um treinador de top (eventualmente estrangeiro), que a médio prazo (dois ou três anos) possa refundar o futebol sportinguista, e dotá-lo de uma nova identidade. Necessita de reavaliar os resultados da política de formação intensiva, cujos reflexos na equipa principal nunca se traduziram (e dificilmente alguma vez se traduzirão) em títulos.
Espero ainda que este caminho contemple um maior entendimento geo-estratégico dos problemas do futebol português, e faça o Sporting assumir-se de corpo inteiro, e sem hesitações, como opositor àqueles que têm atropelado a verdade desportiva nos últimos trinta anos.
Existirá alguém com perfil capaz de interpretar estas soluções? É este o desafio que o Sporting tem pela frente. Eu, cá por mim, vou dormindo descansado.
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