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A GRANDE APOSTA

Written By irvan hidayat on Jumat, 04 Juni 2010 | 07.13

"Nos inesquecíveis momentos que se seguiram à conquista do título nacional, Jorge Jesus confessou que gostaria de ganhar a Liga dos Campeões da próxima época.
É saudável que o nosso treinador manifeste tamanha ambição, e não duvido que, no mesmo grau, esse sentimento seja extensível a dirigentes, jogadores e adeptos - por exemplo, aos benfiquistas da minha geração, que já não viram o Benfica erguer nenhuma das Taças dos Campeões Europeus, jóias da coroa do nosso palmarés, e cimento do prestígio internacional do clube.
Além do mais, dispomos de um plantel que permite - sobretudo se reforçado com mais um ou dois elementos de qualidade - olhar para a Europa de frente e sem medo. Com um pouco de sorte (designadamente no alinhamento dos sorteios) poderíamos efectivamente fazer história.
Mas, deverá a Liga dos Campeões ser a prioridade maior do nosso clube para a próxima temporada? A meu ver, não.
Sou, desde sempre, um apaixonado pelas provas internacionais. Aprendi muito do meu benfiquismo com as inesquecíveis caminhadas europeias dos anos oitenta, onde chegámos a três finais. Sendo de fora de Lisboa, via os benfiquistas da minha terra mobilizarem-se, sobretudo, para os jogos internacionais (foi num deles o meu baptismo de estádio), pelo que aprendi a olhá-los como o pilar fundamental da afirmação competitiva do clube. Nessa altura o Benfica era hegemónico no plano interno, e conquistava campeonatos nacionais em série. E é precisamente essa a diferença face ao contexto actual. O grande objectivo estratégico que o nosso clube tem hoje por diante passa essencialmente por recuperar essa supremacia interna. Perdemo-la para o FC Porto há vinte anos atrás, e não será com um só título que a iremos ter de volta. Um campeonato, um simples campeonato, não vai ser suficiente para varrer do futebol português todo o lixo com que Pinto da Costa o manchou nas últimas décadas. Se não houver continuidade, se este triunfo se vier a revelar um acontecimento episódico (como de alguma forma sucedeu em 2005), ele não fará mais do que algumas cócegas nas forças contra as quais lutamos. Sem a materialização de um novo e consequente ciclo de triunfos, o título que acabámos de vencer, em boa verdade, não servirá para nada.
Deste modo, a prioridade do Benfica na próxima época, bem como, provavelmente, nas duas ou três seguintes, terá de apontar novamente para a conquista do campeonato nacional. Não se trata de escolher entre ser campeão nacional ou campeão europeu (a resposta seria óbvia), mas sim de agarrar primeiro, e com as duas mãos, aquilo que é decisivo para nós, e que só depende de nós, não o comprometendo à aleatoriedade de um percurso europeu escravo das mais variadas circunstâncias.
Obviamente que isto não significa um menor empenho na Liga dos Campeões. Além do prestígio que confere, e da valorização que proporciona aos atletas, a principal prova europeia constitui também uma importante fonte de receitas, que não podemos menosprezar. Há que jogá-la pois com entusiasmo e ambição, mas sem permitir que o combate pelo título nacional resulte minimamente beliscado. Trata-se, no fundo, de seguir a estratégia da época finda, onde até fizemos uma excelente campanha internacional – e muito bem estaríamos caso voltássemos a alcançar os quartos-de-final (agora na Champions), o que no plano financeiro significaria, desde logo, um considerável encaixe.
Talvez não seja fácil passar este discurso para os nossos profissionais. Para eles, para as suas carreiras, para o seu futuro, a projecção internacional é incomparavelmente mais relevante que qualquer luta doméstica, e sabemos que a Liga dos Campeões é, a esse nível, o palco principal. Pouco interessará a um jogador, qualquer que ele seja, e qualquer que seja o clube que represente, quem domina ou deixa de dominar o futebol português para lá do seu contrato. Mas essa é justamente a guerra em que o Benfica, enquanto clube, está envolvido, e todas as batalhas se devem submeter a ela.
Conquistado o “Bi”, e depois o “Tri”, então sim, talvez nos possamos dar ao luxo de sacrificar um ou outro campeonato à frente externa, talvez possamos partir para outro patamar de ambição. Concluído o trabalho de casa, poderemos então sair para a rua que no passado nos consagrou. E se todo este guião se concretizar, muito diferente será o futebol português por esses dias. Esse é, de resto, o meu desejo, mas também meu palpite."

LF no Jornal "O Benfica" de 28/05/2010
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